Se a legislação é “branda”, por que temos tanta gente presa no Brasil?
Por Anderson Figueira da Roza

Atualmente verificamos a banalização da discussão sobre a legislação penal e processual penal. A questão da segurança pública e da violência no país está tão latente nos noticiários que hoje em dia qualquer cidadão reúne argumentos para demonstrar sua insatisfação com sistema criminal.
Se conversarmos com policiais e promotores de justiça, ambos dirão que a legislação penal no Brasil precisa ser enrijecida e que o Congresso Nacional deveria criminalizar muitas condutas que ainda carecem de regulamentação.
Os magistrados, por sua vez, precisam decidir em cada caso concreto se determinado acusado deve responder o processo criminal preso ou em liberdade, e após toda a instrução processual finalmente julgar este réu. Diversas vezes encontramos presos provisórios que ficaram mais tempo enclausurados durante o processo, do que o tempo de pena que deveriam cumprir pelo delito praticado.
Os advogados e defensores públicos são os que menos falam, logicamente, por serem em menor número, visto que a sociedade na sua maioria os define perversamente como defensores dos bandidos.
Acontece que a sociedade raciocina com uma ideia de que o ser humano decide praticar um crime porque a legislação é benéfica demais para as pessoas e que, após a consumação do delito, o agente ficará impune ou rapidamente retornará às ruas convivendo normalmente com seus pares.
De forma peremptória, analisar um criminoso sob um ângulo somente é um erro absurdo. A criminalidade é um fenômeno biopsicossocial e exige o estudo de diversas ciências ao mesmo tempo.
Porém, nós advogados somos cobrados diariamente quando um determinado sujeito é colocado em liberdade, mesmo tendo sido preso em flagrante ou quando após um julgamento, mesmo condenado, ele é colocado em liberdade para aguardar o processamento de algum recurso, ou mesmo quando transitada em julgado uma decisão, ele recebe a soltura porque já cumpriu a pena preso preventivamente.
Como se todas estas decisões fossem efetivadas pelos advogados. Quem decide pela prisão ou soltura é um juiz, se ministério público ou defesa não concordam, eles buscam apresentar seus fundamentos numa outra instância, esta é a regra do jogo, e um colegiado decidirá novamente a questão.
Agora temos que ter cuidado para não nos tornarmos repetidores de informações e evitar a sedução por discursos com vetores equivocados. Se a legislação é branda, por que temos tanta gente presa no Brasil e necessitamos de mais vagas e novos presídios? Se a legislação é branda, por que precisamos cada dia de mais advogados e defensores públicos, que, na sua vasta maioria, são excelentes e não conseguem dar conta do número de pessoas que os procuram diariamente? Por que tem tanta gente sendo processada e preocupada com a prisão no Brasil se a regra penal e processual penal é frouxa e as consequências são ínfimas?
Se observarmos somente o crescimento da criminalidade pelo número de delitos e número de criminosos e os compararmos com 100 anos atrás, realmente teremos um grande aumento quantitativo, agora se verificarmos o crescimento populacional de um século, poderemos observar diversos outros fenômenos sociais que contribuíram significativamente para o aumento da criminalidade, tais como a migração rural para urbana, o aumento da utilização tecnológica que gera um significativo desemprego, dentre outros, são apenas exemplos que a visão pode estar precisando de novas lentes para enxergar melhor neste momento.
Advogados criminais experientes sabem muito bem que não é simples revogar uma prisão preventiva decretada pela garantia da ordem pública. Se há juízes ou desembargadores que possuem uma tendência de entender a prisão como excepcional e possuem índices de solturas de acusados mais elevados que outros magistrados, eles acabam sendo expostos em discussões por representantes do ministério público e também da mídia.
É preciso estudar, é preciso se informar e, mais do que tudo, é preciso pensar para invertermos a ótica de olhar para a violência e criminalidade, como algo que resolva o problema social do nosso país. O medo de uma legislação com penas exorbitantes ou prisões perpétuas ou da pena de morte não elimina a criminalidade. Frases de efeito como “bandido bom é bandido morto” jamais fizeram com que outros novos bandidos se formassem rapidamente.
Como exemplo, uma pessoa traída pelo seu cônjuge não deixa de pensar em vingança porque a pena é alta ou baixa, ele simplesmente age pela raiva ou pelo ódio. O tráfico de drogas não deixa de existir na Indonésia porque lá tem pena de morte, pelo contrário, lá a droga é muito mais cara, e a disseminação de drogas mais avassaladoras e baratas é escancarada nas ruas. A corrupção policial em países com crimes de penas severas é um sinalizador na hierarquia social destas nações, a liberdade vale muito nas mãos de agentes com remuneração baixa.
Fonte: Canal Ciências Criminais